quinta-feira, setembro 28, 2006

Corpo




















Sem saber o que dizer, me sinto. Nua de palavras e repleta de pensares, o corpo reclama de atitudes. Não tenho nada para lhe dar, espere, acalme-se, corpo rebelde que não quer ouvir. Corpo intranqüilo que sabe pedir, mas não sabe dar. Corpo sem rumo que se debate em sensações inominadas mas precisas e preciosas. Não me tenha como uma escrava de seus desejos. Há muito desacredito do impulso e das paixões, querendo apenas ouvir a voz que não se faz presente e que me traria a quietude. Não, não me venha com apelos inúteis. Calo-te como quem comete um ato sem pensar e se condena ao mais severo julgamento. Arrependimentos se fazem distantes e deprovidos de propósito, diante da decisão profunda de não querer te saber. Conheço-te mais sabiamente do que pensas e por isso, emudeço diante de tua voz estridente e contínua. Durma, companheiro dos caminhos percorridos há tanto tempo. Durma e me sonhe.


Sandra Porto.

Imagem: John Singer Sargent




Dança

























Fico diante do teclado esperando que as palavras apareçam. Procuro a espontaneidade que há muito me fazia sentar e escrever bobagens calorosas e infantis, escritas de uma pessoa que de mim se escondeu. Procuro encontrar nos cantinhos de meu ser o lugar das brincadeiras, das cartas de amor (embora elas sejam ridículas), dos sorrisos sem restrições e dos abraços apertados de tanto carinho que sufocam. Fico aqui esperando. Já entendo que nesta espera a angústia será sempre a mão provocadora de algum movimento. Qualquer um. Ele sempre vem e tenho paciência. Meus dedos percorrem o teclado de qualquer maneira, numa falta de jeito que dá dó. Deixo que as palavras se manifestem, querendo que meu julgamento saia da frente e que, sem nenhum murmúrio, as deixem falar. Desejo intensamente que brotem dos desertos sem vegetação e dos lagos carentes de água. Quero que elas venham e me tomem. Incorretas, sem esquadros, irrestritas. Apenas explosões. Pequenas talvez. Mas que provoquem estragos, que abram fendas, que engulam os resquícios da não vida que tenho em mim agora. Que elas me convençam de que não há carência de fechamentos. Que me proponham as pedras e as águas e as cores e os ventos. Que me apontem os pulsares entranhados da terra e os nascimentos de estrelas. Que me mostrem o poder dos ventos e das marés, dos rios e das chuvas e que me digam que o amor e o ódio são a mesma coisa. Que dancem na minha frente feito sufis, realizando a divindade em seus transes brancos e solitários. Que me emocionem e tragam lágrimas aos meus olhos. Que gritem nos meus ouvidos: Vá menina, vá!

E então curvarei minha cabeça, deitarei meu corpo despojado das tantas palavras que me alucinam e voarei por sobre o universo, despejando em cada coisa viva minha gratidão e o meu amor.

Sandra Porto.

Imagem: Último Capítulo
Fotógrafo: Marco Ricca.