Como era mesmo o nome dele? Passado quase trinta anos, não conseguia se lembrar com tanta facilidade deste detalhe, mesmo acordando todas as manhãs ao seu lado. Olhava à sua direita, já que gostava de dormir do lado do coração - superstição, coisas de mulher, sabe-se lá – e tinha a mesma sensação de desconforto. Sentava-se na cama e com muito cuidado para não acordá-lo, descobria o corpo envolvido pelos lençóis. Observava de um jeito minucioso, como um detetive a descobrir as pistas de um crime, os detalhes que já vira mais de um milhão de vezes. Às vezes até reconhecia alguns como, por exemplo, a cicatriz da cirurgia do acidente de carro que quase o matara desprevenido, porque afinal de contas, a morte, quando quer aparecer, não avisa a ninguém mesmo, não é não? E também aquele cheiro! Conseguia lembrar mais dos cheiros das coisas do que das coisas em si. Não dava muita importância aos registros oficiais das pessoas, como nomes, sobrenomes, coisas do tipo, porque sempre mentiam sobre elas. Não confiava nas palavras escritas, ditas ou oficializadas. Mas os cheiros não. Confiava que cada coisa tinha seu aroma próprio. Sabia do cheiro dos medos, das alegrias, dos interesses escondidos e até dos pensamentos guardados no bem no fundo das almas das pessoas.
Sandra Porto
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