quarta-feira, fevereiro 08, 2006

A janela.















Aquela era uma janela antiga, com suas tábuas encravadas e tortas, sugerindo resistência e desistência ao mesmo tempo. Não se poderia saber ao certo a quê resistiram, pois a história muda de suas frestas só conseguiam suspirar baixinho os seus resmungos. Ao mesmo tempo, o diálogo leve e florido com as cortinas daquela casa aparentemente sem gente permanecia num querer fluido e sem jeito, na tentativa de reavivar a memória das coisas inertes que poderiam dar nexo ou mesmo contar na prosa viva dos tempos, os tropeços e esperas de alguém que, certamente, ali habitara...
E não era somente a janela que falava. Não era apenas a cortina florida que se balançava com o vento que entrava pelos buracos do vidro quebrado. A porta se abria para a entrada de qualquer coisa que pudesse trazer algo que lembrasse o que uma vez havia ali habitado: vida. E então por entre suas pernas tortas e finas de madeira, por entre os buracos esculpidos pelos cupins, entravam folhas e flores, formigas, gafanhotos e qualquer nuvem passageira que procurasse abrigo. Tudo era bem vindo e todos tinham passagem.

A pintura das paredes era por si só um capítulo à parte. Descamava de um lado, enquanto de outro procurava agarrar-se a todos os buracos do concreto que pulsava por baixo de todas as cores que já haviam sido empilhadas, uma por cima da outra, "mudanças de humor", como a dona que ali morara um dia gostava de chamar. E então a tinta soltava-se como pele, deixando à mostra apenas as cicatrizes de algo que havia se tornado (aos poucos) nada além do que as cinzas das brasas que arderam outrora (como quase tudo neste mundo...). E, como tudo se tornou -- cinza -- também as paredes mereciam o mesmo fim. Concreto aparecendo por baixo dos nacos grossos de camadas de humores, dia a dia sufocando a outra metade que se agarrava à esperança de que alguma coisa algum dia viria.
Sandra Porto.
Colaboração:Alessandra Archenar.
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