quarta-feira, novembro 29, 2006

Gentilezas
























Penso em Rilke. Penso gentilezas. Penso vagalumes e silêncios. Penso no vislumbre dos cheiros das alfazemas que não conheço. Penso nos sabores dos frutos que ainda estão por vir e saboreio este antecipar de vida. A alegria não é um bem que se tem quando se quer. Ao pensar nas coisas que aqui sempre estarão, reconheço os alvoreceres da força da existência, independente do quanto possa me sentir morta. De todos aqueles que se sentem mortos. De todos aqueles e de todas as coisas que já não mais existem. Esta possibilidade de se saber antes do que sempre existirá, esta concretude de que nada depende daquilo que se percebe é reconfortante. Não há com que se preocupar. Rãs aparecerão pelas manhãs molhadas pela chuva e chapinharão nas poças suas patas saltitantes. Patos voarão nos céus procurando um lugar aonde poderão continuar suas livres vidas, sempre que a hora chegar. Folhas cairão, folhar irão nascer. Primaveras e outonos. Verões e invernos. Diferentes, talvez. Sempre serão. Não me importo mais. Confio.


Sandra Porto.

Imagem: Retratos de família.
Fotógrafo: Luís Pisco