terça-feira, novembro 08, 2005

Iconoclastia


















Há imagens que vagueiam por dentro de nós, como se procurassem alguma coisa, ou apenasque as fixemos à realidade do ser. Como esses cães que correm pelos campos,sem destino certo, não se interessando sequer pelos coelhos que espreitam de dentro da terra, as imagens farejam um fumo longínquo, a mensagem nascida não se sabe de onde, e tentam traduzi-la: mas são mudas, limitando-se a movimentos vagos no ar do espírito. As imagens não trazem consigo nenhum significado, atropelam-se na precipitação das luzes, e nem a morte nem a vida lhes dão esse último sentido que a crença num deus poderá justificar. Então, parto essas imagens: uma a uma, com a lentidão monótona de quem sabe que esse trabalho é para ser feito, junto com os estilhaços no canto da casa, e admiro subitamente a brancura das paredes, o quadro limpo do céu por trás da janela, e tento esquecer o gemido, como se um animal ganisse para dentro, que nasce no fundo de mim, onde um gesto antigo me obriga a colar esses restos.

Nuno Júdice, in Por Dentro do Fruto a Chuva.
Imagem: Fitinhas, por Ananda Porto.