sábado, novembro 19, 2005

O amor tem sabor.






















O Amor

Deus - talvez esteja aqui, neste pedaço de mim e de ti, ou naquilo que, de ti, em mim ficou. Está nos teus lábios, na tua voz, nos teus olhos, e talvez ande por entre os teus cabelos, ou nesses fios abstractos que desfolho, com os dedos da memória, quando os evoco.

Existe: é o que sei quando me lembro de ti. Uma relação pode durar o que quiser; será, no entanto, essa impressão divina que faz a sua permanência? Ou impõe-se devagar, como as coisas a que o tempo nos habitua, sem se dar por isso, com a pressão subtil da vida?

Um deus não precisa do tempo para existir: nós, sim. E o tempo corre por entre estas ausências, mete-se no próprio instante em que estamos juntos, foge por entre as palavras que trocamos, eu e tu, para que um e outro as levemos conosco, e com elas o que somos, a ansia efémera dos corpos, o mais fundo desejo das almas.

Aqui, um deus não vive sozinho, quando o amor nos junto. Desce dos confins da eternidade, abandona o mais remoto dos infinitos, e senta-se aos pés da cama, como um cão, ouvindo a música da noite. Um deus só existe enquanto o dia não chega; por isso adiamos a madrugada, para que não nos abandone, como se um deus não pudesse existir para lá do amor, ou o amor não se pudesse fazer sem um deus.



Nuno Júdice.

Fotografia: Lovers in Bistro, Gyula Halasz Brassai.

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