Tenho fases assim como as marés. Às vezes calma fico, e assim não me reconheço. Nestes tempos onde não me acho e onde todos a mim procuram sem encontrar, me espraio feito uma onda bebê nascida do ventre fértil de Iemanjá, e choro. Chorar rítmico, como se fora uma música composta pelos ventos leves que não querem nada além de refrescar as nossas peles ressecadas pelas dores do mundo. Um toar distante e baixinho, que só poucos seres conseguem ouvir. Aqueles seres que sabem ouvir qualquer coisa. Aqueles seres que ficam desgarrados da humanidade e que se acham fora dela porque ouvem. Ouvem e se reconhecem como seres distintos, que cantam baixinho junto com aquilo que escutam. Neste coro de anjos ilegítimos, e nestas marolas onde ninguém quer mergulhar, vejo a alegria. Então me torno brisa e água e terra e fogo. E mato a sede do mundo sem ternura. E fecundo a terra árida dos corações esquecidos. E queimo as amarguras das almas entristecidas. Depois fico quieta, bem quietinha.
Sandra Porto
Imagem: Gota. Foto trabalhada no Photoshop, por Sandra Porto.